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PROTAGONISTAS MATEMÁTICOS




Os problemas matemáticos que se usam na escola estão muitas vezes enquadrados em situações do dia-a-dia. Frequentemente, apresenta-se uma pequena história com um protagonista. Em vez de perguntar secamente quanto é 4 x 3, começa-se por dizer que a Maria foi comprar bolas de ténis e comprou 4 pacotes de 3 bolas cada. Com esta prática, os problemas podem tornar-se menos monótonos, os jovens podem perceber com mais facilidade o que se pretende e, ao mesmo tempo, pode-se ajudar os alunos a relacionar o que aprendem com situações da vida diária.
Não há nada de novo nisto. Desde que há matemática que é habitual ensiná-la desta forma. O célebre papiro de Rhind (1650 a.C.), que é o melhor exemplo que se conhece da matemática egípcia, tinha cálculos da inclinação de rampas de pirâmides e problemas de divisão de pão.
O que há de novo de há duas décadas a esta parte é uma ênfase tão grande nos aspectos contextuais que os conceitos matemáticos são ofuscados. Uma vaga de "ensino em contexto" tem menosprezado a abstracção. Com o pretexto da compreensão aplicada, tem-se dado tal destaque a uma dita "comunicação matemática" que, por vezes, o essencial está na leitura e interpretação dos enunciados. Assim, nas avaliações, testam-se capacidades cognitivas gerais em vez de conhecimentos disciplinares.
O problema tem sido estudado de forma científica por vários psicólogos cognitivos. Em vez de discutirem convicções, como muitas vezes acontece em debates educativos, começaram a fazer estudos empíricos. A revista científica "Psychonomic Bulletin & Review" acaba de relatar um desses trabalhos (DOI:10.3758/PBR.17.1.106).
Os autores, Mattarella-Micke e Sian Beilock, um doutorando e uma conhecida psicóloga da Universidade de Chicago, descrevem algumas experiências. Apresentaram aos alunos problemas matemáticos simples, mas problemas em que a recuperação de memória de factos aritméticos básicos pode ser confundida pela troca de operações. Por exemplo, alguns jovens podem erradamente aceitar que 3 x 4 = 7, por se distraírem e trocarem a multiplicação pela adição. Ora esse tipo de erros acontece mais frequentemente quando o aluno, com a pressa, mesmo sabendo a resposta correcta, é confundido por aspectos secundários do enunciado.
Os investigadores notaram que se erra menos quando o problema aritmético não é parte fulcral do enredo e se erra mais quando é trazido para o centro da história (associado ao protagonista). No primeiro caso poder-se-ia dizer, por exemplo, que "a Maria foi comprar 4 caixas de 3 bolas cada". No segundo caso, dir-se-ia que "a Maria levou nas mãos 4 caixas com 3 bolas cada". A imagem da maneira como o protagonista levaria as caixas distrai os alunos. As experiências revelaram que neste caso cometem mais erros involuntários.
Em seguida, os psicólogos investigaram se essa maior taxa de erro se devia unicamente à insegurança matemática ou se era condicionada pela memória de trabalho dos participantes. As conclusões são muito significativas. A chamada memória de trabalho dos estudantes - capacidade para manter presente um conjunto de informação - torna-se um factor decisivo para as repostas quando o cerne do problema matemático está ofuscado, sobretudo quando é apresentado num episódio que envolve o protagonista e aparece no centro da história. Nestas condições, concluem, não se está a testar o conhecimento matemático mas sim capacidades cognitivas gerais. O exagero do contexto obscurece o ensino e enviesa a avaliação.

Nuno Crato

Texto publicado na edição do Expresso de 8 de Maio de 2010 (www.expresso.pt)

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