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ARREDORES

ARREDORES

«Domingo irei para as hortas na pessoa dos outros»
Álvaro de Campos


No tempo em que havia quintas e hortas em Lisboa, e
se ia para lá aos domingos, eu ficava em casa. E em
vez de ir para as quintas e para as hortas, em vez de
apanhar couves e de ordenhar ovelhas, lia
poemas que falavam das quintas e das hortas de Lisboa,
como se isso substituísse o ar do campo e o cheiro
dos estábulos. É por isso que hoje, quando me lembro dos arredores de Lisboa
onde havia quintas e hortas, o que lembro são as horas de leitura de
poemas sobre esses arredores, e os passeios que eles me faziam dar
aos domingos, substituindo os lugares reais com mais exactidão
do que se eu tivesse ido a esses lugares. Visitei, assim, quintas
e hortas pela mão do Cesário Verde e do Álvaro de Campos, e
soube por eles tudo o que precisava de saber sobre os arredores de Lisboa,
que hoje já não existem porque Lisboa entrou por eles e transformou as quintas
em prédios e as ovelhas em automóveis. Não me arrependo, então, de
ter lido Cesário e Campos enquanto ouvia balir os rebanhos que vinham
pastar a Lisboa, nas traseiras do meu prédio, onde as mulheres
das hortas vendiam leite e queijo fresco, às escondidas
da polícia. Hoje, já não sei onde se escondem essas mulheres,
nem há quintas e hortas em Lisboa; mas ficaram os poemas
que ainda me levam a passear às quintas e hortas que já não existem,
onde apanho couves e ordenho ovelhas por entre prédios
e automóveis.

Nuno Júdice

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