
O meu heterónimo
Heterónimo, dizes-me. É tão simples como isso, um Heterónimo. Levantas a voz, como se o sonho te pertencesse. Ele não te pertence, é meu. Fui eu que te sonhei, fui eu que te imaginei e fui eu que te dei vida, neste mundo imaginário criado pelo meu pensamento cansado. Imaginação, não passas disso. Sentir? Não acredito que o consigas fazer. Pensar? Tão pouco.
Os teus olhos são vazios. Não têm esperança nem sonhos. Dizes sonhar dessa maneira? Não sejas patético. Apenas sonha quem existe, quem pensa e sente. Eu sonho porque te criei, e criei-te porque sonho. Não és mais que a minha vontade de comover com a razão e de pensar com o coração. És o impossível em mim, e por isso sei que não existes para além desta corrente de pensamentos adormecidos a que chamamos sonhos.
Dizes amar mais do que alguma vez amei. Dizes sentir muito mais do que alguma vez senti. Abalas-me o coração com essa certeza viva e sentida. Mas, nem por isso, os teus olhos começam a brilhar. És vazio. Sentes-te oco por dentro, e tu sabe-lo. Desejas viver e aprender com o mundo, desejas amar alguém verdadeiro, que sinta com o coração, que te veja com olhos de ver e que te sinta com mãos de sentir.
És um invasor do meu imaginário. Um simples fugitivo, que passa de sonho em sonho à procura de abrigo, à procura, nem que seja, de uma razão para viver. Mas eu não sou um poeta de pluralidades. Nem poeta sou, tão pouco. A minha alma só me é dedicada a mim, e os pensamentos renegam outra existência que não a minha. As portas estão fechadas. Por mais que levantes a voz, por mais que sintas e por mais que justifiques a tua existência, nunca passarás de um invasor da minha alma.
Se o mundo se modelasse aos nossos gostos, seria eu a deambular de alma em alma à procura de um lar, de alguém que me aceitasse como uma extensão do seu ser – seria essa a tua vontade. Se as vontades de cada um fossem as modas mundanas, terias um corpo e uma mente. Irias recusar-me tal e qual como eu te recusei. Continuarias a amar e a sentir mais do que eu, porque, afinal, és o que eu julgo ser impossível em mim.
Eu amo, eu sinto. O meu coração sofre com a amargura. Eu sofro com a amargura. Um homem não é nada se não amar, se não tiver uma mulher a quem se entregar. Eu sou assim, um homem normal. Tenho ambições que vão muito mais além do racional. Sonho, mas através de mim mesmo, sem me soltar da minha pessoa para que alguém venha preencher o vazio que há na minha mente. E sei, por certeza minha, que não passas de um sonho, de um pensamento que se quer ver realizado mas que não sabe como fazê-lo.
Irei acordar, e não estarás lá.
E assim foi. Heterónimo? Não o tenho. Sou apenas eu, sem mestre nem rebanho para comandar. A singularidade é a máxima ambição - esta alma tem segredos que só a minha vontade pode desvendar.
Olho o rio de fora. É forte, a corrente. Tanta água só pode desaguar nas lágrimas do mundo - mas o mar é tão vasto, tão grande e vazio. Vou saltar para a corrente. Queria companhia, mas sou só eu. Somente eu…
Diogo Luz Lourenço 12º ano
Meu amigo Diogo, excelente reflexão de quem procura o "eu" e sente uma necessidade de o encontrar. Excelente texto! Parabéns! Um abraço!
ResponderEliminar