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SANTO ANTÓNIO

Saíra Santo António do convento

A dar o seu passeio acostumado

E a decorar num tom rezado e lento

Um cândido sermão sobre o pecado.

E andando...andando sempre

Repetia o seu divino sermão suave e brando

E nem notou que a tarde esmorecia

E vinha a noite plácida baixando

Andando... andando, viu-se num outeiro

Com árvores e casas espalhadas

Que ficava distante do mosteiro

Uma légua, das fartas, das puxadas.

Surpreendido por se ver tão longe

E cansado por haver andado tanto

Sentou-se a descansar o bom do monge

Com a resignação de quem é um santo.

O luar, um luar claríssimo nasceu

Num raio dessa linda claridade

O Menino Jesus baixou do céu

E pôs-se a brincar com o capuz do frade.

Perto, uma bica de água murmurante

Juntava os seus murmúrios ao dos pinhais

Os rouxinóis ouviam-se distantes

O luar, mais alto, iluminava mais

De braço dado para a fonte vinha

Um par de noivos todo satisfeito

Ela trazia no ombro a cantarinha

E ele trazia o coração no peito.

Sem suspeitar que alguém os visse

Trocaram beijos ao luar tranquilo

O Menino porém ouviu e disse:

- Oh, frei António, o que foi aquilo?

O frei erguendo a manga do burel

Para tapar o noivo e a namorada

Mentiu numa voz doce como o mel

- Não sei que fosse, eu cá não ouvi nada.

Uma risada límpida, sonora, cristalina

Ecoou como notas de ouro sobre o caminho.

- Ouviste frei António, ouviste agora?

- Ouvi Senhor, ouvi, é um passarinho.

- Tu não estás com a cabeça boa.

Um passarinho? E a cantar assim?.

E o pobre Santo António de Lisboa, calou-se

embaraçado.

Mas por fim, corado como as vestes dos cardeais

Teve esta saída redentora

- Se o Menino Jesus pergunta mais

Queixo-me a sua Mãe, Nossa Senhora.

E voltando-lhe a carinha contra o vento

E contra aquele amor, sem casamento

Pegou-lhe ao colo e disse:

Jesus, são horas!

E abalaram para o convento

Augusto Gil

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